Afinal, O que é vida?

Dentre os diversos desafios que nos deparamos quando estudamos Astrobiologia, esbarramos constantemente no problema da definição de vida. À primeira vista, como muitas perguntas fundamentais, pode até parecer que é um pouco boba. Oras, como assim não sabemos o que é vida? Claro que no que diz respeito a maior parte das coisas que nos cercam, é bastante intuitivo dizer; por exemplo, que um gato é vivo e uma rocha não. Porém, se mergulharmos a fundo nessa brincadeira logo poderemos notar que a linha que separa o vivo do não-vivo começa a ficar um pouco nebulosa. Então, afinal, o que é vida?

Para começar, a pergunta “o que é vida?” não tem uma única resposta. Na verdade, podemos dizer que por hora não temos nenhuma. Vida é muito mais do que eu, você, seu cachorro e a planta no seu jardim. Quando dizemos “vida”, estamos falando de uma enorme diversidade de seres em todo o nosso planeta. São as bactérias que vivem no seu estômago ou no solo, fungos, algas e de todos os outros organismos que às vezes nem nos damos conta que existem no nosso dia a dia. Apesar de serem tão diferentes, todos os organismos vivos apresentam características em comum. Esse fato pode nos ajudar a entender o que é vida e a diferenciar de coisas não-vivas. Portanto, vamos elencar a seguir algumas características dos seres vivos com base no que conhecemos aqui na Terra (nosso único e precioso exemplo de vida) para tentar iniciar essa longa discussão.

CARACTERÍSTICAS DE COISAS VIVAS

Até onde os cientistas sabem hoje, todos os seres vivos conhecidos apresentam alguma forma de crescimento, movimento, reprodução, metabolismo, informação e sofrem evolução darwiniana.

1.Crescimento

Todos os organismos vivos apresentam alguma forma de crescimento. Tanto mudanças mais marcantes no desenvolvimento, como, por exemplo, lagartas virando borboletas ou um bebê se tornando um adulto, como também apenas um aumento de tamanho, a exemplo das bactérias.

2. Movimento

Todos os organismos vivos parecem apresentar algum tipo de movimento. Nós andamos, mexemos os braços, movimentamos outros objetos. Plantas tem um movimento de crescimento em direção ao sol, água e nutrientes. Animais e outros organismos buscam comida, energia, alimento ou outras condições favoráveis.

3.    Reprodução

Todos os seres vivos são capazes de se reproduzir. Animais produzem filhotes, plantas produzem sementes, células bacterianas se multiplicam e assim por diante. Essa é uma característica fundamental para a vida persistir ao longo do tempo.

4. Metabolismo

Todos os seres vivos parecem apresentar metabolismo. Isso significa que são capazes de pegar nutrientes ou substâncias do ambiente e transformar em energia para manutenção própria. Ou seja, a grosso modo, “comem” para ter energia.

5. Informação

Todos os organismos conhecidos carregam e transferem informação. Aqui na terra, as moléculas utilizadas para armazenamento e transferência de informação são o DNA e o RNA, presente em todos os tipos de seres vivos conhecidos. Elas são responsáveis por passar informação para as próximas gerações e também programar o organismo para fazer tudo o que é necessário para viver.

6. Evolução darwiniana

Todos os seres vivos conhecidos, desde a bactéria invisível no seu corpo até você, um ser humano que se acha acima das leis naturais, estão sujeitos ao processo de evolução darwiniana

Charles Robert Darwin
Charles Robert Darwin

Rapidamente, evolução é o processo de mudança. Um organismo se reproduz com modificações, as quais podem então ser selecionadas de forma positiva, negativa, ou neutra, dependendo das condições do ambiente em que vivem. Dessa forma, seres vivos são capazes de se adaptarem ao meio.

Bom, tendo em mãos todas essas características, fica fácil definir o que é vida, não é mesmo?

Pois bem, a resposta é não. E vamos mostrar o motivo com alguns poucos exemplos.

O PROBLEMA DE NÃO ENGLOBAR E NEM EXCLUIR TUDO

Acontece que quando pegamos as características elencadas acima e começamos a usar para classificar as coisas, podemos perceber alguns problemas. O primeiro é o fato de que algumas coisas não-vivas compartilham dessas características de coisas vivas. Um ótimo exemplo para começar é o fogo. O fogo cresce, se movimenta e se reproduz. E mais ainda, ele é capaz de utilizar a matéria do ambiente, como o oxigênio, e produzir calor (um tipo de energia). Podemos dizer então que o fogo também é capaz de metabolizar de certa forma. Mas nem por isso olhamos para o fogo e dizemos que é algo vivo.  E os exemplos não param por aí e a brincadeira de classificar coisas como vivas e não-vivas começa a ficar bem confusa. Quando você pega um arquivo na área de trabalho do seu computador, coloca num pen drive e passa para outro computador, você não só está multiplicando o programa como também transferindo informação. O que isso difere da capacidade de reprodução e transferência de informação dos seres vivos? Mas, até agora, é certo consenso que arquivos ou programas de computador não são seres vivos.

Outra dificuldade que aparece quando abordamos o problema dessa forma são as coisas que parecem vivos mas que não compartilham dessas características, tornando um pouco difícil de classificar. Os vírus são um ótimo exemplo desse problema. Vírus não conseguem se reproduzir independentemente de uma célula. Isso significa que não são vivos? Para deixar mais palpável como essa abordagem é problemática, pensem num coelho. Um coelho apenas, sozinho num jardim, também não é capaz de se reproduzir. Ele precisa de outro coelho. Isso significa, portanto, que um coelho não é vida, mas dois coelhos são?

Apenas elencar características de coisas vivas, apesar de ser útil muitas vezes, parece não resolver o problema do que é, de fato, vida. Apesar de termos uma ideia, que parece clara muitas vezes, das principais características dos seres vivos, ainda é uma tarefa muito difícil criar uma definição capaz de englobar todos os seres vivos que conhecemos e ainda assim excluir tudo o que não é vivo.

A NECESSIDADE DE UMA “TEORIA DA VIDA”

Muitos cientistas argumentam que a dificuldade em definir o que é vida se deve ao fato de que ainda não conhecermos o processo “vida” de forma satisfatória. Ou seja, para definir vida precisaríamos de uma Teoria da Vida. Mas o que isso significa?

Para ajudar a entender, vamos pegar o exemplo da água. Antes da teoria molecular, a água era definida como “sem gosto, sem cheiro e sem cor”. No entanto, muitas outras coisas podem ser sem gosto, sem cheiro e sem cor. E nem todas essas coisas são água. Essa era uma definição extremamente imprecisa. Depois da teoria molecular, foi possível definir água como H2O e ponto final. Nada mais é água a não ser H2O.

Aplicando esse raciocínio ao problema da definição de vida, talvez o que precisamos é de algo que tenha o papel que a teoria molecular teve. Uma teoria que nos forneça as bases para o entendimento do processo e não um simples conjunto de características. E é nesse fato que mora uma das principais motivações de encontrar vida fora da terra, pois assim teríamos um outro exemplo de vida que nos forneceria informações importantes para entendermos o processo como um todo, contribuindo para a formulação de uma “Teoria da Vida”

Na realidade, de certa forma, a definição de vida adotada pela NASA é uma tentativa de aplicar uma teoria: “Life is a self-sustained chemical system capable of undergoing Darwinian evolution.” Traduzindo: “Vida é um sistema químico auto sustentável capaz de sofrer evolução darwiniana”. Quando a definição proposta implica que a vida sofre evolução darwiniana, ela evoca um processo, uma teoria associada à vida.

Porém, mesmo se utilizando de uma teoria, ela ainda parece ser insuficiente. Se pensarmos em programas de computador novamente, podemos ver que alguns têm a capacidade de evoluir, mudar com o tempo e transferir essa mudança adiante. Ou seja, são capazes de “reprodução com modificações”. Podemos dizer, portanto, que isso é vida? Quem sabe, talvez no futuro, com o aumento de complexidade e capacidade de informação dos computadores essa discussão possa ser encarada de outra forma. Mas por agora, nem a teoria da evolução darwiniana é suficiente para definir vida de forma satisfatória. 

VIDA COMO UMA DEFINIÇÃO HUMANA?

Pode ser ainda que, talvez, vida seja apenas uma definição humana. Que talvez não exista nenhuma característica fundamental, física ou química, que nos ajude a dizer o que é vida e que, portanto, “vida” é apenas uma palavra com utilidade para nós, reles humanos. Seria o que a filosofia chama de objeto não-natural.


Uma maneira utilizada por Charles Cockell para explicar esse conceito é contrastando a água e a cadeira. A água pode ser classificada como um objeto natural. Ou seja, somos capazes de entender todas as características necessárias para responder a uma pessoa exatamente o que é água, definindo suas propriedades físicas e químicas. Já uma cadeira poderíamos classificar como um objeto não natural, definido por um significado puramente humano. Podemos definir uma cadeira como um objeto em que você pode sentar. Mas você também pode sentar em uma mesa, em um sofá, cama, ou no chão. Isso não significa que todas essas coisas são cadeiras, o que nos leva a entrar em uma discussão sem fim tentando diferenciar uma cadeira de uma mesa. O ponto é que não importa o que você defina como uma cadeira ou uma mesa. O que de fato importante é que a definição talvez nunca seja consistente e que todos entendam da mesma forma. Esse talvez seja o caso da vida. Talvez a vida seja só uma palavra que abrange certas características químicas que acabam representam nossa ideia de vida, mas que, no fim, só serve para nós mesmos. Nesse caso, poderíamos desenhar aquela linha de “isso é vivo e aquilo não” em qualquer lugar, com a condição de que todos concordem e entendam do que estamos falando.

Ainda que este seja o caso, não deixa de ser extremamente importante para Astrobiologia (e para a biologia no geral) chegarmos em um entendimento do que é vida. Essa informação pode ser usada como uma delimitação útil para ser aplicada em diversas áreas, como, por exemplo, na busca de vida fora da Terra.

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