O primeiro bilhão de anos da Terra: do ambiente hostil ao habitável

O planeta Terra nem sempre foi como conhecemos atualmente. Aliás, já foi um ambiente radicalmente diferente, chegando a ser totalmente hostil à presença de vida. O que observamos ao admirar a abundância de cenários que existem na superfície da Terra é o resultado de um complexo processo evolutivo. Esta evolução vem acontecendo desde o início do sistema Solar, há 4,56 bilhões de anos atrás, e envolveu também interações e trocas de matéria e energia com diversos outros componentes do sistema. Mas foram nos primeiros 1 bilhão de anos que os eventos mais marcantes aconteceram. Foi neste período de tempo que o planeta, recém-formado, passa a ter uma separação interna entre núcleo, manto e crosta; a ter um satélite natural, a Lua; e, por fim, passa a se tornar um planeta habitável.

Formação da Terra

Figura mostrando disco protoplanetário.
Representação de um disco protoplanetário com diversos materiais rochosos rodeando uma estrela recém-formada. Fonte: Lumen learning.

A Terra inicia sua formação juntamente com o sistema Solar, portanto também há 4,56 bilhões de anos, conforme estudos de datação de amostras que chegaram até a Terra a partir de meteoritos. A formação aconteceu partindo do material rochoso que orbitava o Sol recém-formado (no chamado “disco protoplanetário”). Este processo é descrito por modelos que explicam a formação do sistema Solar e é conhecido como “acreção”. Nele o disco protoplanetário, formado por meteoritos, cometas e poeira foram se colidindo, fundindo e se unificando formando um recém-nascido planeta Terra.

Após isso, o nosso planeta, ainda predominantemente formado de rochas liquefeitas em temperatura acima dos 3500°C, foi se diferenciando em camadas, conforme as diferentes densidades das rochas que o formavam. Com isto foram se estabelecendo as três principais seções: o núcleo, a parte mais profunda do planeta composta de uma parte mais interna (sólida, composta de ferro e níquel) e uma externa (composta de ferro líquido); o manto, uma camada intermediária altamente espessa e formada por rochas derretidas formando um meio de altíssima viscosidade (ou seja, bem pastoso); e a crosta, que é a parte externa da Terra, feita das rochas que se solidificaram. Esta diferenciação é a razão de acontecerem terremotos, vulcões e que levam à formação dos continentes e cadeias montanhosas.

Formação da Lua e impactos na Terra Primitiva

Ilustração artística da colisão que formou a Lua, segundo as teorias mais recentes.
Ilustração da colisão entre Theia e Terra, há 4,5 bilhões de anos. Fonte: NASA/JPL.

Neste período primitivo do sistema solar, em que ainda havia muito material rochoso orbitando a estrela central, colisões destes objetos com os recém-formados corpos celestes era algo muito frequente. Estudos mostram que, em torno de 60 milhões de anos após a formação da Terra, um objeto com tamanho comparável ao de Marte (que recebeu o nome Theia) colidiu com nosso planeta. Com esta gigantesca e violenta colisão, a superfície da recém-formada Terra foi inteiramente derretida novamente, formando um gigantesco oceano de magma. Além disso, com a colisão, aconteceu a formação da Lua.

Nosso satélite natural influenciou muitos a evolução da Terra, incluindo a sua habitabilidade. A atração da gravidade da Lua contribui a não ter variações bruscas do clima da superfície do planeta, pois o eixo de rotação se mantém equilibrado. Essa mesma gravidade gera os efeitos de marés do oceano e desvia objetos que poderiam atingir a Terra. Além disso, foi pela presença da Lua em órbita que a rotação do planeta foi diminuindo. Nosso planeta, no primeiro bilhão de anos, girava em seu eixo em velocidade bem superior à atual e foi calculado que um dia durava o equivalente a 5 horas.

Outros impactos aconteceram entre a Terra e corpos menores (como meteoritos e cometas), após a formação da Lua. Estes corpos traziam materiais com átomos leves da tabela periódica presentes em rochas e que reagiram quimicamente resultando na formação de substâncias como gás nitrogênio (N2), gás hidrogênio (H2), água e até mesmo compostos orgânicos (que também podem ser produzidos por fenômenos que não envolvem seres vivos e no meio interplanetário).

A Terra habitável

Imagem mostrando a Terra com aparência similar com a atual, mais agradável para a vida quando comparado com as imagens anteriores do post.
Representação da Terra como mundo oceânico há 4 bilhões de anos. Fonte: Sky News.

A partir dos materiais liberados por atividade vulcânica e aqueles trazidos por corpos que atingiam a Terra foi se formando a atmosfera primitiva e um oceano primitivo que recobriu o planeta após seu resfriamento. Isso permitiu que a superfície da Terra primitiva evoluísse de uma condição hostil à vida para uma habitável. Estudos mostram que o resfriamento da superfície e a presença de oceanos ocorreu há 4,4 bilhões de anos, por conta de exemplares de minerais dessa época, os chamados zircões (minerais ricos em silicato de zircônio, de fórmula ZrSiO4 e que só se formam na presença de água) encontrados no Oeste da Austrália, na região chamada Jack Hills.

O oceano primitivo recobria toda (ou quase toda) a superfície da Terra, e tinha 10 km de profundidade. E devido a uma grande presença da água na atmosfera e ao resfriamento do planeta, chuvas torrenciais aconteceram por milhares de anos seguidos e formaram aquele oceano. Por outro lado, a atmosfera rica em gases estufa, como água e dióxido de carbono (CO2), permitiu também que a superfície da Terra mantivesse uma temperatura amena e não congelasse. Pois estudos afirmam que o Sol, na época, tinha intensidade 30% mais fraca do que a atual. Trabalhos publicados propõem que as temperaturas poderiam ser de 32°C ou de até 200°C na superfície do planeta (com pressão atmosférica alta o suficiente para manter a água líquida mesmo nas temperaturas altas). Mas é esperado que fossem por volta de 5ºC no fundo do oceano.

Portanto, a presença de água líquida, temperaturas amenas e a riqueza de compostos químicos e minerais descrevem inúmeros cenários nos quais a vida possivelmente surgiu na Terra e teve condições de se manter. Somado a este modelo de Terra primitiva habitável, temos um crescente número de estudos que avaliam materiais desta época que podem dar indícios que haviam seres vivos (microrganismos) já no período entre 4,4 e 3,5 bilhões de anos atrás, portanto já nos primeiros 1 bilhão de anos da Terra.

Como isso tudo afeta a busca de vida no Universo?

Esquema mostrando locais onde a vida pode ter surgido na Terra e pode surgir em outros corpos planetários do cosmos.
Possíveis ambientes habitáveis da Terra há 4 bilhões de anos onde vida pode ter tido seus primeiros passos. Fonte: adaptado de Ebisuzaki T e Maruyama, 2017.

Até o momento, a Terra é o único corpo celeste onde sabemos que habita vida e em grande quantidade que, segundo estimativas, chega totalizar 600 bilhões de toneladas (ainda que pequena quantidade se comparado à Terra com 6 sextilhões de toneladas). Dessa forma, é também a referência que temos de um sistema habitável. Portanto, investigar sobre a Terra de bilhões de anos atrás não só abre a discussão para investigar as origens da vida, indicando onde, como e a partir de quais condições este tipo de fenômeno passou a emergir. Também traz elementos para a discussão sobre como outros planetas, evoluiriam até a condição habitável.

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